setembro 06, 2006

a falta que me fazes

1. No vão de quem puxa por nós, por ti, por mim. Na intempérie do desejo, do sufoco, da vontade aberta ao destino alheio. Da mesa que permanece vazia de afecto, do soalho a cheirar ao quente aroma de Verão, da cor salgada do mar. A luz que entra ténue pelas frincheiras da janela, iluminando as penumbras dualistas do seu entendimento, abandonado à fugaz conquista do doce périplo oculto na inconsciência sarcástica.

quem te vê partir quem te vê voltar, quem chama por ti antes de chegar
2. Eu, tu, nós no derrame do ser, descendo vertiginosamente pela pausa assolapada do nosso equidistante caminho, esperando uma resposta contra-producente, um medo inesperado do vazio que nos consome e divide numa unica identidade perdida. Caminhas em vagos passos, percorres a insensata trilha que traçaste a custo, escondendo o tudo e o nada, mantendo a perene ideia que isso se poderá indiciar. Crês, escondes, mentes. Confias num vale disperso de matéria vã, eclética decisão num assombroso percurso gasto à partida. Perdes.

quem te conta historias para adormecer
quem te acorda antes do sol nascer

3. Deito-me serenamente sobre a areia molhada, afagando as minusculas partículas finas que me deslizam pela pele molhada e observo os teus movimentos contorcionistas para conteres a promíscua perda de sentido. Olho em redor e não vejo nada. Alcanças peremptoriamente o vácuo de hesitações recolhidas no teu bom-senso e aproximaste lentamente do meu corpo. Deitaste sobre a tua fome e percorres serenamente o meu corpo, pausadamente enches-lo de saciedade, de vontade, de sede morta numa montanha-russa desnivelada pela tua racionalidade, afundas o teu eu no meu, onde o sol bate forte, onde a raiva excede limites, onde as ondas rebentam vagarosamente, onde os meus membros descansam infinitamente. Escolhes.

quem te fala de viagens sempre à aventura, quem te poe em verso como uma pintura

4. Uma cadeira. Uma mesa. Uma janela. Entra por ela, invade o compartimento de luz. Sentas-te, pedes-me para começar mas logo depois foges implorando para parar.
Foges, incendeias, atiras deploravelmente para o chão, ainda aceso.
Gritas, não queres acreditar.
Vives num mundo de estáveis amarras de pedra, construídas sobre a mais sólida origem da verdade, ou da mentira, como te for mais conveniente, asseguras um futuro deserto de afectos conseguidos. Há coisas bem mais faceis de lidar.
Aprendes o registo da sobrevivência e afastaste de mim. Sobes ao andar da protecção divina e ali ficas sentado à espera. Pintas por cima, pintas por cima. Apagas. Riscas por cima, riscas por cima. Segues. Sem te definir mas segues. Tapas por cima, tapas por cima.

quem te vê perder, quem te vê ganhar
quem fica com frio se nao te esperar

5. Eu e ela sentadas diante uma da outra. Loucamente à espera do descer de qualquer insensatez mórbida. O vento. Entra preguiçoso revirando os contornos da minha idealidade. Da nossa. E de ti? Sabes alguma coisa de ti? E dela? Ela espera por mim, não se recobre com medo do nada. Inesperado seja quem for, que atire a primeira pedra. No contexto descrente do ser, evidencia-te. Sobe. La em cima. Eu estarei aqui para te ver. Talvez para te segurar. É isso que queres? Escorregar sobre essa loucura sem pedires permissão? E o sopro da aragem que bate no estore? Insistentemente me transpõe para um cerco de inquietações austeras, aquelas que me catapultam para aquele patamar de certezas absolutas, da realização adiada para a eterna busca do sonho esquecido. Quem?

sou eu

6. Acreditas? Espero que sim. Peço que sim. Anseio pelo leve conflito de valores sóbrios.
Derreteu. Gelou. Nas minhas mãos. A dúvida. A indecisão injusta. A cor. O sabor. A pura sensação de desejo pensado e repensando. A desenvoltura. A quebra de laços sufocantes de um passado inexistente. O não saber lidar. Não saber reagir. A luta constante dentro do meu proprio limite para o evidente. Porquê? Vergonha encerrada num poço sem fim. Ultrapassar. Ajuda. Amizade. Ei-la aqui ressuscitada das cinzas.
Enquanto isso, ainda resta tempo para premeditar o que optar para ornamentar a mesa posta para a concretização falhada. Obscura premissa enterrada nesse territorio amaldiçoado. A da não-aceitação. E depois?

a falta que me fazes



Optimas ferias, mas curtas =) Espero que as vossas tenham sido as melhores possiveis e bem-vindos a mais um ano de trabalho =P


@Susana Félix / Sou Eu