abril 16, 2007

we have go to take cover

Nos andamos lado a lado atravessando um vale recoberto de intempestivos fragmentos desconexos. O nosso caminhar soa ao estilhaçar de vidros no chão, por vezes, escondemo-nos atrás dos nossos arbustos existenciais e aí observamo-nos de frente para uma redoma de espelhos.
Partimos e enviesamos as nossas próprias esperanças, essas já amarguradas e disléxicas de sabor. Eu sei. Lá está, eu sinto. É complicado explicar-te por aqui, eu vivo. Here we got they're back again…look alive, warn your friends…we are warm and we are safe enjoy it while you can before things change. Sabes em momentos atrás, imaginava-nos ao som desta e outra música, acho que a exultação de uma paixão sexual se sente mais durante a vibração de uma melodia dos anos 80. Como se aquela música nos concedesse a tríade necessária para nos compreendermos e aí nos equivocármos docemente sem que essa constatação nos condenasse. Muito pelo contrário, estaríamos a ceder o nosso próprio espaço. Aparte de umas garrafas vazias, poderíamos nos debruçar sobre a nossa alma distorcida em palco coeso e fugazmente gritar o sentimento tão encarcerado e recalcado, depositado em planicies intemporais do nosso desejo simbólico.
Apraz-me admitir uma chamada da ilusão à sensação. À racionalidade perdida que tantas vezes esquecemo-nos de sustentar. Mas sabes é mais que isso. É a inexplicável sintonia que nos distende numa pergunta retórica, onde tu perguntas onde estás e eu interrogo-me quem sou....we have got to take cover brother...e have got to take cover...brother...Na entoação e no embalo da nossa voz em uníssono, ouve-se o riso estridente que levanta pobres espiritos desfigurados, eu alimento-me do teu vil percurso enfático de libertação e tu assimilas uma mera elevação objectiva que te permita ascender sem cuidados a um nível um tanto ou quanto cerebral. Parabéns, fico eternamente feliz por ti, também por instantes alcanço esse patamar auspicioso. E talvez eu possa afirmar que somos iguais. Nos gostos, nas saciedades existenciais, na plenitude da nossa redoma de vidro hermeticamente fechada. Como o teu pensamento, ele é cerrado à minha constante enclausuração gutural. Lie down in a field if you can, look at the night sky oh, where does it end sometimes it hurts when you care about me but it's going to hurt more when they take you away from me.
Eu como, tu sobrevives pedindo insistentemente esse pedaço maldito de circunstância perene, eu entrelaço-me em ti sem que tu te dês conta. Afago o intriseco círculo que te intensifica e eu mesma preencho os hiatos deixados em branco pela ténue possibilidade que deixas fugir dia a dia. É exactamente a ligação a um electro-clash regado a alcool onde os nossos corpos evadem-se ponto a ponto num mapa contruído por literatura amaldiçoada, por períodos ferteis de arte barroca em que nos debruçamos por eles acima, e consumimos desenfreadamente essa fonte de cultura latente, vulgo arte, em que nos deixamos escorregar e alcançar vitoriosos, batalhas a dois onde nos reunimos para a exasperação última.
Cortas por um pedaço ínfimo de destreza essa certeza absoluta. Certeza essa que desconheces e em quem eu confio. Tem graça porque não a sabes explicar e eu entendo-a na perfeição. Chega a ser curioso porque aquilo que eu sei se envolve de uma capa onde sobrecai tudo que desperdiças, destrois, ou ambicionas, fortalecendo os nossos laços de uma forma atrozmente brutal. Here we go again, oh midnight knocks, oh explosions, maybe it's all made up in our heads, this happens to me when i'm bored or depressed.
Continuo no encadear de uma história em que sentados frente a frente em pontos diametralmente opostos, o teu olhar denuncia a nossa fraca fronteira de separação, em que a minha postura apenas remete para um desleixar da minha timidez, quando ajeito o cabelo e sorrio para o lado esquerdo, em que o nosso sorriso se intercruza com a nossa necessidade de compreensão, e onde a tua libertação tão ansiada se espelha na minha insanidade libertatária. Em mim viste uma salvação e uma onda de vida. Eu em ti consegui ver qualquer coisa como uma imagem de euforia indie, de cruzamento de sons ambíguos, de poeira metafisica sobre as nossas cabeças, onde movimentamos os nossos membros com a potencialidade e a entrega de uma noite só, essa a noite, aquela em nos encontramos e onde dançamos ao som desta música ou da outra, onde te deitas cansado e eu esgotada deito-me sobre ti, sentindo o teu corpo pulsar com o meu, bebendo o ambiente em que vivemos e dilacerando os nossos clímaxes em meros segundos. Abafamos as vozes que se erguem cá dentro e rodamos simetricamente numa espiral de vidros, e em que em cada embate frontal, eu vejo-te a ti e tu ves-me a mim
Sabes, é exactamente como estarmos virados de costas um para o outro de frente para um espelho.
Here is the best part of the song
Where i admit that i might be wrong
Because if they are good and if they are right
Then they'll have their rapture one
Of these nights
But if they are wrong

The Organ
Brother

abril 08, 2007

Inland Empire

I don’t care about that...it is something more...David Lynch nasceu a 20 de Janeiro de 1946 em Montana EUA, tendo inicialmente o sonho de ser pintor. Para isso partiu rumo à Europa de forma a encontrar inspiração para o seu trabalho. Porém viu-se obrigado a fazer trabalhos que não o agradavam e entrou para a Academia de Belas-Artes. Completamente absorvido pelas artes plásticas, realizou as suas primeiras curtas metragens: Six Men Getting Sick (1966), The Alphabet (1968), The Grandmother (1970) e The Amputee (1974). Em 1971 iniciou a sua primeira longa-metragem, Eraserhead que apenas terminou em 1977. Aqui já se observava o tão famoso mundo bizarro de Lynch e arte em stop-motion. O seu primeiro grande filme surgiu em 1980, The Elefant Man, que recebeu 8 nomeações para óscar. Seguidamente o seu trabalho envolveu nomes como: Duna em 1984, Blue Velvet em 1986, Wild at Heart em 1990, Twin Peaks: Fire walk with me em 1992, Lost Highway em 1997, The Straight Story em 1999, Mulholland Drive em 2001, e a consagrada série Twin Peaks em 1990..(quem matou Laura Palmer?..).

E agora Inland Empire. 2007.

O surrealismo existe em qualquer arte. Como na música temos Beethoven, na pintura Van Gogh, na literatura Bataille, na sétima arte, esta arte tão mal amada por vezes, encontramos David Lynch. Atípico, brilhante, metaforicamente sublime, é Inland Empire. Este estado usado como eufemismo de um mundo dentro de mundos e por aí adiante. Isso é Inland Empire. Um mistério que se desdobra no interior de vários mundos que se cruzam na mesma pessoa. E nesse desdobrar Lynch mistura fantasia, sonhos e ficção. Interliga a realidade com o ficticio. E poder-se-ia dizer que o faz repetidamente em todas as suas obras, ou nas mais bizarras, mas não, aqui assiste-se a um ultrapassar de todas as barreiras. Lynch não se excedeu, Lynch superou-se. Conseguiu transformar Mulholland Drive numa brincadeira de crianças. Não posso sobrepôr a importância de cada um destes filmes, embora a complexidade do novo filme de Lynch ultrapasse os limites da confusão mental do primeiro, e todavia também, que comparado a Mulholland apresente uma certa falta de emoção e envolvimento do espectador . O que se estabelece é uma ligação metafisica a nível fundamentalmente cerebral.Aparte. Encaremos as coisas como elas são, ou melhor, interpretemos o filme como ele é. E aí está, ele apenas é. Ele existe e apresenta-nos diante da vista independentemente se vamos ou não compreende-lo, se vamos reflectir sobre ele, se simplesmente o repudiamos ou amamos. Ele não se importa, para ele é-lhe irrelevante. O filme apenas é e desliga-se totalmente de qualquer tomada de consciência. E este posicionamento é invejável. Até é mais, é majestoso. Lynch simultaneamente que reuniu todo o seu universo sórdido, ofereceu-nos de bandeja a possibilidade de contemplação pura e somente sem questionar. Ora isso não retira a atitude de pegar em pequenos pormenores e juntar numa linha de raciocínio, mas Lynch é mais que isso, ele descarrega a espiral dos horrores familiares à nossa memória mas não deixa de estabelecer uma narrativa. Com lógica, pois claro. O que é feito baseia-se num arrancar do espectador, já mais que habituado a ter a ‘papinha’ feita, a escorregar pelo abismo da insanidade, tentando a todo o custo ligar as peças soltas, fragmentadas e indissociáveis umas das outras. E que não se esqueça isso, todas elas são indissociáveis. Mas mais, mais, pratica-se um “vale-tudo” elevado à exponencial libérrima condição de Lynch: manter consigo e somente consigo a chave que abre os fragmentos alucinogéneos que intercruzam a nossa mente. Súbito devaneio, instantâneo transe epiléptico, transfiguração orgânica de imagens invertidas em planos malditos, eis a combinação explosiva que eclode em uma bruta génese cinematográfica.

Uma viagem apocalítica, sensorial, em que nos é fornecida a exaltação da nossa própria loucura psicológica, que nos revira pelas fronteiras da cerebralidade por um processo sem fim. Talvez eu tenha adoptado uma postura essencialmente vulnerável à percepção de um objecto que vive para si, e daí tenha saído esgotada como se tivesse passado um mês inteiro a estudar sem parar. Ele extenuou-me. Num cansaço grotescamente viciante, em que o corredor do vanguardismo contemporâneo lhe deve o primeiro lugar no topo da excentricidade artística. A arte. Às vezes tem destas coisas. Deixa-nos sem folêgo.Lamento encarecidamente, que ainda existam seres vivos que se arrastam para as salas de cinema apenas porque sim e transformam a própria num antro de estupidez atroz. Não é compreensível que usem o riso para disfarçar a sua mediocridade intelectual nem muito menos que saiam a meio e digam:’Que Seca!’. De facto é uma seca. Lynch é uma grande seca. Uma seca tremenda que abate os mais infames desprovidos de inteligência e cultura, num poço de basicidade crua e dura.




De facto! Lynch é um embaixador do surrealismo no cinema e por consequência é complicado aconselhar vivamente quem seja de ver esta magnifica obra ou qualquer outra. Porém não recuo em eleger como soberbo este ‘objecto’ de pura arte.